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A ótica jurídica da cannabis no Brasil: uma questão do preconceito contra a saúde da vida
Tipo de projeto
Artigo
Data
Novembro 2022
Material
O uso da cannabis no país é marcado por estigmas sociais que comprometem diversos setores, como a saúde, economia e a política. Atrelado a isso, boa parte da população depende do uso medicinal da cannabis para proporcionar bem-estar e dignidade em sua existência. Diante disso, o Direito à saúde se constitui como um pilar assegurado pela Constituição Federal de 1988, nos artigos 6°, 23, II e 196. Nessa linhagem, é dever do Estado prover mecanismos fundamentais ao direito da saúde.
Ao passo que a sociedade brasileira promove debates acerca da cannabis, o seu uso, em tese, ainda é ilegal e considerado crime, segundo a Lei n° 11.343/2006, denominada Lei de Drogas, que pune com prestação de serviços à comunidade, medidas educativas e advertências. É sabido que está incluso quem cultiva para uso pessoal em pequenas quantidades. No entanto, apesar da criminalização, no artigo 2.º, a manipulação e cultivo para uso medicinal e científico, desde que tenha uma licença prévia.
Dessa forma, mesmo tendo essa ampliação, não há uma regulamentação específica no Brasil para o cultivo de maconha com finalidade de extração do seu óleo medicinal para tratamentos. Por isso, indivíduos que necessitam dos métodos acabam entrando na conduta da lei referida, sujeitando-se às sanções penais. Relacionando-se ao Direito Internacional, existe também uma permissão legal para o cultivo da cannabis com fins medicinais, até porque o Brasil é signatário da Convenção Única de Entorpecentes de 1961 da ONU, que está internalizada no ordenamento jurídico pátrio de 1964.
Dessa maneira, aqui no país é de responsabilidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), definir quais substâncias são lícitas ou não, bem como a fiscalização e regulamentação de produtos farmacêuticos, segundo o art. 8º, §1º, I da lei n.º 9.782/99. Entretanto, mesmo com diversas atualizações da Portaria SVS/MS que trata sobre a regulamentação sobre medicamentos com controle especial, a Agência, até o momento (2022) continua inerte sobre a regulamentação do cultivo da maconha.
Dentre essas atualizações da Portaria SVS/MS, a de n° 344/1998, permitiu aos pacientes que precisam da cannabis para tratamento, na verdade, ter permissão legal para importar medicamentos que continham o Canabidiol (CBD) e o Tetrahidrocanabinol (THC). Embora a ANVISA tenha regulado esse tipo de importação, o custo é totalmente elevado e muitos passam a procurar tratamentos alternativos, como a extração e consumo do óleo da planta. Se o Brasil tivesse uma regulamentação própria e resultasse numa permissão para cultivo da maconha, gastos com medicamentos seriam fortemente reduzidos para tratamento.
Todavia, duas propostas para deliberação do cultivo da planta Cannabis Sativa no Brasil para fins medicinais foram apresentadas pela Agência, além da produção de medicamentos nacionais. As ações foram enviadas para o diário oficial e submetidas a consulta pública. Vale ressaltar que o cultivo só será permitido com autorização da Anvisa e supervisão da Polícia Federal.
No ano de 2016, num cumprimento de uma decisão judicial por uma ação civil pública, pela RDC 66/2016, a Anvisa, regulamentou a prescrição médica e importação para pessoas físicas, sob produtos com cannabidiol e tetrahidrocannabidiol (THC).
No âmbito do uso medicinal, um passo foi dado em 2019, pela Anvisa por meio da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC 327/2019) que criou procedimentos para fabricação e importação de medicamentos no país, bem como requisitos para comercialização, prescrição, dispensação, monitoramento e fiscalização, de produtos cannabis para fins medicinais, por pessoas jurídicas também.
No entanto, tanto quanto a RDC 66/2016 e a RDC 327/2019 não abordaram a autorização sobre o plantio da cannabis, no caso da RDC 66 é obrigatório ao paciente a importar o medicamento gerando alto custo, e a RDC 327, já proporciona o aumento no custo de produção dos medicamentos, pois a matéria-prima também precisa ser importada pelas empresas que fabricam no Brasil, encarecendo para o paciente de qualquer forma.
Outro fator importante, é que segundo a RDC 327, a prescrição médica com uso da cannabis só pode ser tomada como última opção para tratamento, retirando a autonomia do profissional responsável para indicar a melhor opção possível.
Atualmente, o que existe é uma regra de exceção, por conta da falta de regulamentação, sendo essa uma atribuição da Agência, já que a Lei de Drogas prevê a responsabilidade do Ministério da Saúde em autorizar a cultura de plantas de serem extraídas para uso medicinal. Além disso, existe todo um processo burocrático para o uso, visto que, o paciente precisa de um laudo médico, prescrição médica, termo de responsabilidade e cadastro na Anvisa.
Mesmo que com avanços pequenos, isso acarreta um aumento no número de casos e crescimento do tema no Poder Judiciário, seja por pacientes ou associações, visando obter autorização. É importante frisar que o alto custo de tratamentos com cannabis é pela falta de regulamentação, que sobrecarrega pacientes.
A inércia do poder executivo
Junto aos percalços em projetos de lei e movimentos no no país, o poder executivo continua em inércia sob a Lei 11.343, e na tentativa de conseguir permissão para o cultivo e extração do óleo, a população recorre a parte jurídica nacional para ter algum tipo de apoio e não sofrer penalidades. Para servir de exemplo, a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança, sediada na Paraíba, conseguiu junto da Justiça Federal do estado, mover uma ação contra a ANVISA e a União, possibilitando aos integrantes listados do órgão, plantar, cultivar e extrair o óleo da planta.
Dessa forma, o poder Judiciário deixa de ser retraído e passa a exercer um papel fundamental e de grande importância, já que segundo a Constituição Federal 1988, no artigo 5°, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
No cenário do Poder Legislativo, alguns projetos tramitam no Congresso Nacional, como por exemplo o caso da PL 7270/2014, de autoria do ex-Deputado Jean Wyllys (PSol), que visa alterar a Lei de 2006. Além disso, o projeto de Lei nº 514/2017 do Senado Federal interessa alterar também a mesma Lei para descriminalização da cannabis.
O Projeto de Lei n.º 514 de 2017 que descriminaliza o cultivo da cannabis para uso pessoal terapêutico tramita no Senado, enquanto ainda ocorre julgamento desde 2015, sobre a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, o qual define como crime o porte de drogas para uso pessoal.
Estigmas associados à cannabis
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária e outros órgãos regulamentadores estão num processo de mudanças sociais para prestar serviços para a população. Apesar do preconceito que serviu de “barreira moral” para a sociedade brasileira sobre os benefícios que a cannabis poderia trazer para o tratamento de diversas doenças, o debate acerca do tema da maconha para fins terapêuticos cresce na medida em que políticas públicas podem começar a ser aplicadas e mais pacientes procuram métodos para qualidade de vida.
A ótica jurídica da cannabis no Brasil: uma questão do preconceito contra a saúde da vida. Uma reflexão também sobre órgãos regulamentadores.
Confira meu artigo sobre a atual situação jurídica da hashtag#cannabis no país.